Por volta das doze me tornei crível. Acho que me perdi de vez, usei meias palavras para me distanciar daquilo que me afligiu. É um tanto incompreensível , de quando em quando mergulhava nas mais fortes dores do passado e passando por cima das minhas próprias conclusões, chorava termos que geravam uma conduta esquisita. Ele me ama, ele me ama. Um fato tão forte, eu nunca acreditei. E rolando sobre uma mesa de agulhas, sensação a qual aquelas palavras me proporcionavam, senti que meu sangue se punha a esquentar. As palavras soaram doces e brutas em minha mente, mas em seu pobre coração não tinham justificativas, eu estava sendo repugnante e grosseiramente insensível. Mas foi pelo bem, me conheço melhor que qualquer um. Ao levar a caixa de papelão amassada, com cheiro de calabresa e tempero, casa a fora, sem chinelos, meus pés pareciam se fundir ao chão gelado. Eu sou fria, concluí. Mas fria, dura e seca como um bloco de gelo, não como uma fofinha bola de neve. E aquele pequeno e pobre coração estava me desejando, eu não queria ser má, realmente não queria. Mas não havia outros meios, eu sabia da minha repugnância, da minha angustia e descontentamento, sabia que não o amava. Não havia outro jeito, antes causar deveras ódio por mim do que permitir que sinta a dor se apontar mais em meio à verdade que rondava pela minha mente. Eu não apenas tinha medo, não apenas não era tão forte. Não existia, nem da maneira mais fraca. O único sentimento que havia sobrado era a saudade do que já foi... E a pena. E como prova da árdua frieza que me tornei, dormi como um pétala que cai ao jardim. Leve, bela, fria e sem som. E ele ainda me amava.
Tamyris Kortschinski.